sexta-feira, 16 de maio de 2014

                                                                     3020.
                                                                     Brasil.
     — Qual o problema com suas calças ?
     — O mesmo que o seu com essa blusa feia. — respondeu Carlos.
     — Pelo menos eu uso — disse Joy, então levantou-se da cadeira em que estava sentada e pegou a bolsa no sofá.
     —Vai junto ? — perguntou ao irmão.
     Ele olhou-a com certa piedade. Como se não quisesse dizer a irmã que seria um dos piores dias de sua vida.
     Joy pensava naquele dia há muito tempo, desejando que nunca chegasse. Mas chegou. Ela estava com medo, e o fato de ter a mãe ao lado não mudaria isso.
     Após duas horas de lágrimas e o som que doía fundo na alma de Joy da tesoura e da máquina, finalmente pôde ir ao banheiro ver como estava.
     — Filha...não está tão ruim, não se preocupe...— disse Suzana, em meio às lágrimas que escorriam —...vai crescer novamente...você sabe...
     Mas Joy não queria ouvi-la. Estava triste demais para qualquer coisa que não fosse seu quarto e sua cama para dormir e não acordar pelos próximos três dias. Mas lembrou-se de que ainda não tinha um quarto definido na nova casa, onde apenas a sala e a cozinha estavam montadas. O caminhão com suas coisas chegaria no outro dia.
     Quando chegou em casa, Carlos ainda estava de cueca, deitado no chão com os fones. Então jogou-os para o lado, levantou-se e abraçou a irmã, que chorava como quando descobrira que estava com câncer.
     Ela não sabia o que fazer. Então deitou-se no sofá e adormeceu nos braços do irmão. Acordou no outro dia com ele sacudindo seus ombros.
     — O que foi ?
     — Você precisa ver isto !
     Carlos correu para o segundo andar com Joy atrás, ainda meia tonta pelo acordar repentino.
     Chegaram a uma porta que Carlos abriu com cuidado. Os dois entraram e Joy não viu nada além de um pequeno quarto cinza com um tapete quadrado vermelho no meio.
     Antes de poder perguntar algo, Carlos correu em direção ao tapete, abaixou-se e o levantou com tanta cautela, que parecia que o tapete poderia quebrar-se em mil pedaços.
     O tapete cobria um buraco.
     — O que diabos é isso, Carlos ? — disse Joy, ao se aproximar e ver que o 'buraco' continha algo que parecia fumaça, mas que parecia também gel.— Você não está pensando em entrar aí, não é ?!— perguntou, ao ver o sorriso do irmão.
     — Já entrei. E você precisa entrar também. É mágico. — seus olhos.brilhavam de emoção.
     Depois de muita resistência, Carlos finalmente conseguiu convencer Joy a entrar. Ele pulou primeiro. Com os dedos cruzados, Joy pulou logo atrás. Era como voar, ou flutuar, era uma sensação boa,que durou poucos segundos e quando abriu os olhos, Joy se viu em um tipo de caverna, com paredes de barro. Carlos estava sentado logo à frente, os joelhos para cima e com um sorriso satisfeito.
     — Vamos. — Carlos guiou-a pelo túnel à direita, chegando a uma espécie de sala, onde haviam vários coelhos, de diferentes cores e tamanhos. Alguns eram verdes, outros amarelos, outro ainda azul e vermelho. Aquilo não podia ser real. Joy chegou a pensar que poderia ser efeito da quimioterapia, que ela estava vendo, imaginando coisas. Mas era tão real, que ela dispensou a hipótese de estar ficando maluca.
     Um coelho vermelho, que devia ter pelo menos um metro de altura, se aproximou de Carlos e disse, em voz baixa:
     — Ela é a tal senhorinha ?
     — Sim.— respondeu Carlos.
     O coelho olhou para Joy, abriu a boca, mostrando os dentes amarelos e produziu um ruído ensurdecedor. Joy colocou as mãos nos ouvidos, mas o som parecia estar dentro de sua cabeça. Ela viu os outros coelhos observando-a, e começou a se sentir tão fraca e cansada, que não conseguia mais ficar de pé Carlos parecia não ouvir nada. Ela caiu no chão, se contorcendo de dor no lado da cabeça em que estaria o suposto câncer. Sua visão ficou turva por conta das lágrimas, e ela começou a perder os sentidos. Tudo era um borrão cinza e vermelho. Ela ainda pôde ouvir o irmão dizendo, quase num sussurro:
     — Acabou. Tudo acabou. Você está curada, maninha. Você vai voltar a viver. Vai voltar a viver...

(Lara S.)

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